No banheiro do Riviera, o coração apertou. Entrei lá para esconder o nervosismo. Vejo as lajes pretas e de toalete negro. Olhei no espelho, me vi descabelado. Exalei o ar. Apertei e soltei minha mão uma dúzia de vezes. Analiso a pia, e os produtos de limpeza em cima da bancada. A luz apagou, sensor de movimento. Pulei e balancei os braços, a luz se acendeu. Quando o batimento volta ao normal, escuto uma música no alto falante, sua melodia me agrada. Pego o celular e vou descobrir: “Passin’ me by”.
Saio do banheiro e olho para ela. O resto foi tão bom que não vale definir. Desde então surge uma pulsação. Uma pulsação que vai e vem, que aparece no escuro do cinema. E por ela, minha perna balança, se mantida a tempo suficiente, vira ritmo. Esse metrônomo embutido não me faz bem, mas é tudo que eu tenho. Me faz perder controle.
Foi na quarta, vendo as pessoas de malas indo para a festa de três dias. E vendo os outros com papeis e enfim acabando os três anos e meio de curso. Essa junção de tantas expectativas dos dois lados faz algo. É uma mistura, principalmente ali, na faculdade vazia. Esse recipiente para tantos sentimentos, e o catalisador sou eu.
Mas a culpa é minha. Talvez seja da profissão, entender e sentir os outros até a alma. Contudo, não tendo a sensibilidade de tudo isso. Não possuo esse conhecimento humano. Simplesmente vejo alguém chorando e vou consolar. Vejo um trabalho de final de curso e vou bater palmas. Elogio o trabalho, elogio essa dor.
Então de onde vem esse sentimento que me reina? Volto para aquela noite de domingo. Estava sentado na mesa sozinho, e olhei para o meu lado,um casal se beijava em público. Uma mulher se jogou em cima da mesa, e o cara consumia ela, ambos tatuados e tinham cerca de 40 anos. A dúvida e a curiosidade, ele não se aguenta. Quando eu voltei eles param e depois voltaram a se devorar.
Lembrei de um urubu, ou um carcará. Ele voava acima das nuvens. Eu estava nos braços dela, ou ela nos meus. E o pássaro nos olhava como uma carniça tão honrável. Será que foi ele que me fez ter medo? Será que ele queria nos consumir, ou apenas planava nos ventos de junho?
Dias depois, um amigo pegou na minha mão e olhou na minha cara: “Você não precisa sentir o que todos sentem toda hora.” Esse comentário, o medo de represálias por algo que talvez nem exitosa me acelerou. Bebi pouco, precisei beber pouco, lembrei da rotina, livro, texto, palavra cruzada e abdominal todo dia, se não eu paro.
E justamente no dia que ia parar, um barulho infernal na minha porta. Um martelo demolidor destruiu os canos de minha rua. Por nove horas, esse som ensurdecedor reinou em minha casa. Como sonhar ou nadar no insciente com esse som? Enquanto escrevia, fugia do meu celular, tinha medo de ver algo que não gostaria. Como se fosse tudo uma caixa de possibilidades.
Nessa agonia de não conseguir fazer nada, e ter medo de olhar para fora da janela. Tentei minha sorte com outra pessoa. Penso no que dizer, e na falta, digo o básico “Vai na feira do livro?”. Não ia dar certo. De qualquer maneira, fui para a feira.
Lá, vi meu amigo velho falando em um palco. Seus olhos brilhavam e ele tossia. Depois, andei um pouco, e vi ele falando com a neta e o amigo da neta. Eles queriam o “sorvete ruim” e lá foi vovô cronista pagar para eles. A cena foi cômica e carinhosa. Saí dali e fui para uma palestra sobre colunas de opinião literária. Podia escutar eles falando por horas. O clima daquela mesa era leve, divino.
A próxima mesa era sobre o vício em livros. Ninguém da mesa era de fato bibliófilo, mas falava sobre essa obsessão que me remete. Era um portugues e um espanhol. A península ibérica falou muito e disse uma frase que ficou na cabeça: “O livro, precisa de uma história além do que está dentro dele”..
Vi o escritor do pai da menina morta. Gosto daquele homem, de seu tom sóbrio. De suas palavras curtas e entendidas. Ele me reconheceu, autografou meu livro e trocamos contatos. É a segunda vez que vejo ele na feira do livro, mas hoje, por um motivo ou outro, ele estava à vontade. (Tão a vontade que jogou uma pelada no pacaembu, eu perdi mas as fotos são incríveis)
Fui andando e vi uma amiga minha, ela está trabalhando na feira desde o dia zero. Mas só hoje vi ela. Ela estava animadíssima, e corria para uma lado, e namorou um estojo do sesc. E encheu o saco do cachorro marrom grande, chamado Hunter.. Ao ver ela me animei. Fofoquei sobre livros. Ela me introduziu para uma colega dela, ela tinha um sorriso e olhos bonitos. Eu queria ficar mais lá, mas algo me chamava para casa, cansaço, algum trabalho, não sei.
I seen her yesterday but still I had to let her pass. Algo me invoca um sentimento louco, tento escrever, e saem palavras tortas, frias. Todas sobre esse sentimento de balançar os joelhos sem parar e ficar sem respirar. As palavras são grossas, e eu reclamo e me trato mal, muito mal. Penso que algum sinônimo para além de ansiedade: Inquieto. O oráculo de delfos me pira, eu to fadado ao que eu mesmo construí.
A música nunca saiu da minha cabeça, ouvi ela escrevendo e editando textos. She keeps passing me by. Olho o celular, espero alguma notícia, mas o rádio está mudo. Escrevo em uma cadeira desconfortável. Minhas costas ficam tortas pela posição de pernas cruzada do qual me frolo a ficar. O texto está pronto e não consigo pensar no próximo.
Ele seria sobre esse sentimento de inquietude. Escrevi uns três começos e não gostei de nenhum. Deixei o texto no armário e veio a culpa de não escrever. Já era tarde da noite quando a inspiração bateu. Tinha que ser no bar, posso descrever cada milímetro daquele lugar, cada nota daquela música. Mas decidi não falar dela, cedo demais para sequer imaginar do que falar.
Fui ao cardiologista. A sala de espera é branca, e os atendentes arrogantes. Eu olhava para a rua e chovia forte com vento. Olhava para os lados e ninguém. Fui descobrir o que são essas palpitações no coração. O mais eu esperava, pior a palpitação ficava, e ouso dizer leitor, que estava com um ataque de pânico. Li sobre Avellaneda, sobre a devastação na Amazônia, e o médico não saiu de sua sala. Esperei duas horas. Para o médico, um senhor genuinamente catetico, me mandar ir na terapia. Melhor, ele me mandou ir na psicoterapia, e ele me explicou detalhadamente como funciona uma consulta no terapeuta.
Não sei como me sentir sobre isso. Ele tá certo. Escrevi um texto para definir essa sensação que não deveria ser recorrente. Usei tantas palavras para falar que to com medo de sentir.
Olhei o celular, mandei mensagem, recebi uma resposta. Vi, não sei se quero ler. Olho lá fora e chove. Preciso tomar uma decisão. Não vai mudar tanto assim, talvez não mude nada. Chego em casa e volto a escrever. Enquanto isso, penso no final do texto. Ele deve ser conclusivo e direto. Agradável aos olhos, sensível. Decido finalizar com uma citação: “'Cause I won't have no more of this passing me by”.