Não sei quando isso começou, acho que na tarde de quarta. Estava para sair de casa e um sentimento me veio: O mundo estava estranho. Saí de casa, e depois voltei. Fiquei de birra com o universo. Li uns textos sobre a Flora Purim. Me arrumei -vesti uma camisa rosa e calça jeans branca- e sai de novo.
Ia na feira de livros da Unesp. Não, não ia. Era tudo um sonho consumista. Eu estava motivado para gastar um dinheiro que não ganho. Porque eu não ganho? O que faço errado?(Melhor, o que faço certo?)Como me mantenho? (Tô presente? Não, eu tô é passado).
No ônibus, uma moça me lembrava outra mil. Ela era tatuada do queixo para baixo, com uma tatuagem no pescoço que remetia a um gigantesco pingente. A franja curta deixava ela com uma testa grande. Seus cabelos platinados e sua branquíssima pele me remeteu algo do bairro da liberdade de sábado à noite. Ela desceu em dois pontos, eu tentei ler um livro mas fiquei delirando sobre a vida.
Fiquei no ônibus até ele começar a fazer o caminho de volta para casa, desci no centro e fui andando para Sé. Em um certo momento, os prédios taparam o céu. E vem um sentimento de ser minúsculo. Nesse instante, me perdi. Dei uma volta, dei outra, e não achei meu destino. Quando andei mais dois quarteirões, vi uma boêmia fora de lugar. Estava cercado de pessoas de boinas e camisas jeans surradas. Eu vivia um momento onírico.
Fui em um sebo onde o dono tinha morrido fazia alguns meses, mas o movimento continuava grande como usual. Pilhas de biografias novas na entrada, no outro lado, livros em espanhol. No andar de cima, móveis e quinquilharias. Falei dos meus livros na entrada, esperei um tempo não determinado. Paguei caro nos dois volumes, não sei o porquê.
Saí e fui para o brigadeiro, subi a rua e vi o Hotel. O Grande Hotel Danúbio, pesquisei e já busquei tantas informações sobre ele, o seu abandono e suas luzes acesas. Talvez esteja batendo em uma tecla vazia, estava tendo uma ideia equivocada do projeto. O que eu faço?
O trânsito estava parado, carros buzinavam e não corriam. Li uma crônica de Ivan Ângelo. Ele definiu aquele sentimento, dois amigos apaixonados e quesitos em sua paixão. Eles se amam e nada farão a respeito, morreram como estão. Como se todos os dias fosse isso, como se toda cerveja tivesse um pouco de gosto de beijo.
O passageiro atrás estava reclamando dos filhos com uma mulher não identificada. Ele reclamava dos filhos. Algo sobre eles não respeitam ninguém, que eles desrespeitam os professores da escola, que iam bater nele e essas coisas. O trânsito não se movia, eu sai por agonia. Fui andando naquelas ruas buscando o hotel mais caro da cidade. Cheguei e fiquei na porta dos fundos. Meu amigo se juntou a mim e fomos a outro ponto de ônibus.
Ele comprou algumas balas superfaturadas. Vimos um carro de luxo da década de noventa e entramos em mais um ônibus cheio. Viagem longa e demorada, tudo parado, sempre tá parado. Ali o senso normal devia voltar, me lembraria de tempos mais simples e piores. Não melhorou, começou a virar outra coisa.
Daqui para o próximo parágrafo, foi dito muita coisa útil do uau não vejo motivo para falar. Talvez devesse falar do café do dia anterior, onde me incomodaram com a questão de pertencimento do bairro. De viver em um lugar mas não usufruir dele, de estar estrangeiro em casa.
Fiquei o resto do dia com rinite. Tive aula de exercício para fala, enquanto os exercícios eram explicados, minha respiração falhava. Queria ir embora por não conseguir fazer o exercício, o professor explicava a matéria e eu não compreendia. Quando acabou, conversei com um velho conhecido.
Sentia faltas de suas conversas. Melhor, senti falta de estar confortável escutando elas, me senti bem abaixando a guarda por um tempo. Conversamos sobre o mundo de ontem, do que mudou, de onde estamos. O tempo da conversa acabou, só deu tempo de agradecer ele, e cruzar os dedos para o day after.
Depois, foi tudo jogado para cima. Papo em dia, aquela êxtase, conversa ali e ala. Quanto mais se falava, mais tinha para falar. A hora corria, o ônibus passava. E como num estalo, começamos a falar de relacionamentos passado, que por essência, reflete o presente. Disse sobre minhas dificuldades, recomendei o texto de Ivan Ângelo, Começos. E daí aconteceu, uma verdade veio à tona
Éramos um grupo de três, e a verdade envolvia os outros dois. Mas fui eu, no ápice de criar o incômodo, arranquei a verdade. E no instante que disse “tchau” e pedi para se resolveram, senti o erro de minha parte. Aquela história ia incomodar uma terceira pessoa, e uma quarta, e uma quinta. Eu fiz besteira.
Ou só pensei demais, eis o narrador não confiável. Como falar de algo não vivido, como viver o agora. O desejo de ter alguém, de ser de alguém. Ou, como um autor jovem disse: “Um ciclo constante de falta, perda, ganho, posse”. Pirei, e descobri não ter ninguém para falar sobre essa loucura.